Comunicação Estratégica: Marco Piquini é consultor em comunicação estratégica corporativa e palestrante. Foi executivo do Grupo FIAT e diretor de Comunicação da Iveco. É Jornalista, trabalhou n’O Estado de São Paulo e na Inglaterra como autor convidado do The Economist Intelligence Unit. Um nome respeitado em Comunicação Corporativa no País, escreve como colaborador do Pensamento Corporativo.
Contato: piquini@piquini.com.br
SUA EMPRESA ENFRENTARIA A IRA DO PÚBLICO EM DEFESA DE SEUS VALORES?
O caso do Banco Santander
Foi um dos maiores desastres de relações públicas dos últimos tempos: acuado por protestos públicos e nas redes sociais, o Banco Santander encerrou, um mês antes do previsto, a exposição “Queermuseu”, em Porto Alegre. O banco explicou o recuo, em nota, dizendo que algumas obras “desrespeitavam símbolos, crenças e pessoas, o que não está em linha com a nossa visão de mundo”. A nota acabou não agradando a ninguém: os que combatiam a exposição e os que ficaram chocados com seu fechamento e muitos prometeram, nas redes sociais, encerrar suas contas no banco.
Questões artísticas e morais à parte, a pergunta é: como isso pode acontecer? Como é que uma instituição desse porte, com estrutura de governança bem estabelecida, coloca-se numa posição de tamanha fragilidade? O que levou o banco a comprar uma briga que não conseguiu depois sustentar?
Não existe uma explicação fácil, mas a situação mostra que o banco quis promover “cultura” com algo alheio aos seus valores essenciais. A mostra pretendia discutir diferentes padrões de sexualidade, o que era evidentemente polêmico e a reação do banco mostrou que a diversidade não é um valor do banco. Se fosse, não teria recuado. E se esse não é um valor, nem sequer deveria ter feito a exposição.
Valores são mais importantes do que costumamos pensar. James C. Collins e Jerry I. Porras, autores de “Feitas para durar”, um dos livros de negócios mais bem-sucedidos do mundo, afirmam que valores consistentes são um dos componentes do sucesso duradouro de uma empresa. Em um hipotético confronto entre mercado e valores, Collins e Porras perguntam: “Se as circunstâncias mudam e formos penalizados por nossos valores, nós ainda os manteríamos? Se não podemos honestamente responder sim, então eles não são valores”, dizem. “Valores devem resistir ao teste do tempo”.
Ainda hoje, depois de 23 anos e cinco milhões de cópias vendidas, o livro tem resistido bem ao tempo. Todas as 18 empresas citadas na obra ainda existem, confirmando a previsão contida em seu título. O que todas possuem em comum, notam os autores, é uma “ideologia” inquebrantável. Ideologia, explicam eles, é formada por valores e propósito. Sem esses dois componentes, uma visão de futuro é comprometida.
O caso do Santander mostra que os valores não podem ser apenas um quadro na parede. Eles precisam estar por detrás de todas as decisões, até mesmo de uma exposição cultural. Afinal, ser “quadrado” ou “redondo” não é o caso. O importante é a empresa ser o que ela é, e segurar a onda. Essa honestidade fará parte de seu apelo para o sucesso.
Para comparar, basta lembrar a ação do fabricante de cosméticos O Boticário, que veiculou anúncio onde aparecia um casal gay – e aguentou o rojão, defendendo a liberdade de gênero como um valor da empresa. A empresa perdeu alguns clientes, mas ganhou outros. Suas receitas aumentaram 7,5% em 2016.
Marco Piquini
EMPRESAS COMEÇAM A PRATICAR O LOBBY DO BEM
“Ooooooo… biiicha!”
O grito entoado pela torcida quando o goleiro adversário bate o tiro de meta e outras manifestações homofóbicas observadas no futebol começarão a ser combatidas por gente importante. A ESPN, por exemplo. Por orientação mundial, a rede multimídia de esportes determinou que todas as suas afiliadas mundiais comprassem a briga pelo fim do preconceito sexual nos esportes.
A ESPN Brasil atendeu rapidamente: estreou há duas semanas (28 de junho) a série “Futebol fora do armário”, um especial de três programas sobre a LGBTfobia no futebol. A reportagem acompanhou torcedores homossexuais em jogos em São Paulo e no Rio de Janeiro para mostrar o preconceito velado nas ruas e estádios. A série dá voz e torna visíveis os torcedores LGBT nas arquibancadas de torcidas de diversos times do país. A discussão envolveu também jogadores profissionais, dirigentes, e encontrou times de futebol formados majoritariamente por integrantes LGBT.
O que isso tem a ver com o mundo corporativo?
Essa corajosa ação é reflexo do crescente impacto dos movimentos sociais sobre as políticas de relações humanas corporativas. Aconteceu, para citar um caso famoso, com o cigarro, gradualmente combatido socialmente e hoje praticamente proibido dentro das organizações.
O respeito à diversidade sexual começa a fazer parte da “causa” de algumas empresas – e não só da ESPN.
A companhia de cosméticos brasileira O Boticário, há mais de um ano vem explorando o relacionamento homossexual de forma aberta – e francamente simpática. Sua concorrente, a Natura, não ficou atrás e, em sua última ação de marketing, um casal feminino troca um beijo diante das câmeras.
A Coca-Cola fez uma campanha interna (endomarketing) contra a homofobia, fazendo uso de uma frase popular preconceituosa que envolve produtos da empresa. “Essa Coca é Fanta” foi o mote da ação e a repercussão foi além do esperado: os empregados adoraram a campanha e a “vazaram” nas redes sociais. Ela ganhou a simpatia de muita gente e viralizou.
Essas ações fazem parte de um movimento conhecido como “advocacy”, também chamado de “lobby do bem”. As empresas “abraçam uma causa” por princípio e a defendem como política de empresa – isso é, não é apenas no marketing, mas como uma postura séria, seguida internamente na corporação. É uma tendência que está ganhando o mundo e já há, até, empresas especializadas em ajudar corporações a entrar nessa onda de forma correta.
Esse é um movimento inteligente. Há, claro, riscos. Mas ao apoiar uma causa que entende irrefreável, a empresa garantirá a simpatia de “corações e mentes” de quem pensa igual. Mas o “advocacy” requer uma dose extra de seriedade. O marketing deve ser consequência de um compromisso. Se é contra a homofobia, a homofobia deve ser veementemente combatida dentro de casa. É preciso haver coerência entre o que se diz e o que se faz.
Uma ação de “fachada” causará mais danos que benefícios para a imagem da empresa.
Marco Piquini
LEVE SUA EMPRESA PARA “MARTE”
O físico inglês Stephen Hawking fez um apelo à imaginação humana: “ou colonizamos o espaço dentro de 30 anos ou a sobrevivência de nossa espécie estará em risco”. Um ícone da genialidade, que de tempos em tempos chama a atenção com suas provocações, pode, desta vez, ter soado sonhador “demais”. Mas, antes de tirarmos conclusões apressadas, é bom lembrar que há 50 anos o presidente americano John Kennedy fez algo parecido, com consequências deslumbrantes e duradouras
Em 1963, ameaçado pelo programa espacial russo, Kennedy fez um desafio à nação americana que, comparativamente, parecia um absurdo. “Vamos colocar o homem na Lua até o final dessa década”, prometeu ele. A academia, a indústria e as finanças dos Estados Unidos deixaram-se contagiar e, em 1969, dentro do prazo, Neil Armstrong pisava em solo lunar.
Talvez demoremos mais do que 30 anos para chegar a Marte, mas Hawking está fazendo sua parte: ele está vendendo um sonho, está tentando estimular mais e mais “corações e mentes” a abraçar sua ideia, engajando-os para que juntos façam dela uma realidade.
Essa é a força por detrás de uma visão compartilhada. Ela atropela a rotina, estimula e provoca energia, move as pessoas para frente, “no matter what”. Com a certeza de que devia “pensar diferente”, Steve Jobs fez com que a Apple se tornasse a empresa mais inovadora dos últimos 20 anos. O criador da Tesla, Elon Musk, está comendo as grandes montadoras por fora, porque ele – e todos os que trabalham com ele – acreditaram no futuro do carro elétrico.
Agora, pare e pense: qual a ideia que move sua empresa à frente?
Qual o sonho coletivo que movimenta todos dentro de sua organização? Qual é a visão que se projeta ao final e à frente de todo o trabalho que se realiza na companhia, funcionando como um magneto concentrador de pensamentos e ações?
Ao serem confrontados com essa questão, muitos empresários citam os objetivos da empresa, medidos pelos retornos comerciais e financeiros que, francamente, só estimulam acionistas. Para os demais, eles significam apenas trabalho. Outros apontam para o quadro de Missão, Visão e Valores na parede e dizem que a empresa pretende ser “a referência” em sua área de atuação, sem conseguir explicar o que realmente essa frase significa.
Visão é aquele lugar onde a empresa projeta estar no futuro, alcançável por meio de um caminho de ideias, valores e aspirações que dão, à cada empresa, um caráter e um jeito de ser e agir únicos. É isso que engaja as pessoas e as faz correr atrás do impossível.
Qual é o planeta Marte de sua empresa?
Marco Piquini
MAIS PONTES E MENOS TORRES
Um micro empreendedor individual é um faz-tudo. Único empregado de sua empresa (uma MEI), ele pesquisa o mercado, idealiza e desenvolve o produto, define o pricing, pensa no marketing, realiza a produção, faz a venda, viabiliza a entrega, processa o faturamento, fecha a contabilidade. E cuida do pós-venda, claro. Essa assoberbada agenda limita sua capacidade de crescimento, mas dá ao proprietário uma privilegiada e completa visão da cadeia de valor que une a empresa e seu cliente final.
Esse processo cruza todas as áreas da “empresa”. Em suas múltiplas tarefas, nosso micro-empreendedor vislumbra os passos a serem tomados, descobre a sequência ou a simultaneidade entre cada um deles e entende que qualquer quebra na sequência compromete o todo, com a possível perda do cliente e do faturamento.
De uma maneira dolorosamente real e presente, a transversalidade de processos e a interdependência de áreas parecem ter sido esquecidas dentro de muitas empresas.
Isso acontece porque as empresas começam como a MEI descrita, mas ao crescerem, passam a se organizar e a criar processos internos. Surgem os departamentos de recursos humanos, produção, marketing, vendas, logística, pós-venda, financeiro…. Assim a organização pode escalar sua atividade e crescer. Mas o risco é a burocratização dessa estrutura.
Uma área tende a privilegiar seus próprios processos, suas regras de comportamento e ação. Criam-se “zonas de poder” isoladas como torres. O que é valorizado é cumprir o que o chefe e a rotina da área mandam. As pessoas acabam enclausuradas em suas torres de especialização, o que limita seu horizonte de ação.
O professor Paulo Rocha, da Fundação Dom Cabral (FDC), nota a falta de “sincronismo organizacional” e chama a atenção para o desenho típico do organograma, onde cada caixinha de diretor tem, debaixo dela, uma sequência vertical de outras caixinhas (as torres). Ao notar que um processo voltado para o cliente é transversal (como faz, na prática, nosso colega MEI acima), Paulo Rocha pergunta: “Quem faz a administração dos espaços em branco entre cada uma dessas torres?” O que o professor da FDC reclama é que faltam pontes ligando as torres.
Essas pontes significam uma cultura de transparência em toda a empresa, que deve informar e envolver as pessoas na estratégia da organização: todos precisam saber para onde estão indo. Em todos os níveis os chefes devem compartilhar informações com seus liderados e promover o diálogo com outras as áreas. Projetos transversais (e eles são muitos) pedem lideranças com comando sobre times multidepartamentais. As responsabilidades de entregas mudam: deixam de ser autorreferenciais (dentro das torres), e tornam-se prestação de serviço entre as áreas (sobre as pontes).
Minha experiência de consultor mostra que a fidelidade à linha de comando (torre) e a falta de prática de integração multissetorial (pontes) são a regra, não a exceção. Conheço empresas onde os chefes chegam a proibir, explicitamente, empregados de comentar seu trabalho, por mais banal que seja, fora de sua área de ação.
Promover a transversalidade em um universo tradicionalmente vertical não é fácil. Isso significa ampliar a transparência, coloca sob ameaça poderes estabelecidos, destrói zonas de conforto, desnuda responsabilidades, exige cooperação e perturba, a princípio, o clima organizacional.
Por isso, a construção de pontes organizacionais exige um trabalho estruturado de recursos humanos e comunicação, com amplo suporte da direção da companhia, isso é, consenso entre a direção, decisão top-down pela mudança cultural e vontade férrea de implantação da mesma.
Marco Piquini
Novo Governo é amador em comunicação estratégica
Publicado em 04/10/2016
Trabalhei como executivo em uma multinacional que, em determinado momento de sua história, precisava sacudir a poeira e iniciar um plano de retomada de investimentos, lançamento de produtos e – se tudo desse certo – cumprir a missão estipulada pelos acionistas, a qual era crescer e conquistar um bom market share no mercado brasileiro. Uma tarefa e tanto. Todos os departamentos da empresa foram chamados à ação e, na Comunicação, a tarefa era clara: estipular um discurso único e que traduzisse a estratégia da empresa, seus pontos fortes e suas mensagens-chave, que deveriam ser expressados por todos da empresa, de cima para baixo, de baixo para cima, de lado a lado.
Primeiro, definiu-se as tais “linhas de comunicação”, as mensagens-chave que dariam a todos os nossos interlocutores uma indicação do que estávamos para “fazer e acontecer”. E tudo começou dentro de casa. Ou seja, o chamado público interno. O departamento de comunicação definiu um fluxo preciso de comunicação interna, partindo da diretoria, passando pelas lideranças e chegando aos demais empregados. Cartilhas, jornais internos, murais, ações específicas… todos os canais possíveis foram usados para a transmissão daquilo que havia sido definido como a “comunicação oficial da corporação”.
Como próximo passo, foram definidas as ações externas, igualmente trabalhadas em canais mapeados e seguidos à risca: assessoria de imprensa, redes sociais, publicidade, eventos, etc. Quando alguém falava com a imprensa, quando um anuncio saía, quando um empregado era abordado num churrasco da família no fim de semana… todos, a princípio, sabiam o que tinham de falar e, principalmente, porque.
A ideia era criar a expectativa correta acerca de nossas ações, para que quando elas começassem a acontecer, pudéssemos reforça-las com dados e fatos e assim, gerar credibilidade. E isso aconteceu.
Os investimentos compromissados foram realizados. Os produtos lançados no ritmo prometido e com a qualidade anunciada. As vendas cresceram muito e o market share foi multiplicado por um fator de três.
Essa história é conhecida dentro e fora do setor e foi um trabalho de equipe fenomenal, onde todos os departamentos deram sua contribuição para o sucesso. A comunicação (nosso tema aqui) foi estratégica nessa arrancada da empresa. Dentro de casa, ela criou o ambiente propício para a mudança e para a implantação de uma nova cultura e procedimentos. Fora, contribuiu para gerar a expectativa positiva que estimulou a empatia crescente pela empresa e por seus produtos. Foi um trabalho e tanto, um “case”.
Rememorei todos esses fatos diante de uma notícia de que o presidente Temer repreendeu seus ministros falastrões acerca de declarações desastradas sobre a jornada de trabalho, a reforma educacional, os cortes nos gastos, as ações da operação lava-jato e outros assuntos menos picantes. A lista é grande. Segundo a Folha de S. Paulo, Temer teria pedido a todos que ficassem de “bico calado”. E a contratação de um “porta-voz” já foi encaminhada para tentar resolver esse problema.
Bem, se o caso é apenas de incompetência de comunicação, esse profissional talvez ajude, mas quem é do ramo (Comunicação) e observa todas essas trapalhadas sabe que o problema está mais embaixo. A produção de factoides, a afobação de ministros diante de microfones, a falta de timing e os desencontros de informação são sintomas de uma bagunça comunicativa que, antes de mais nada, sugere que o Governo não tem uma visão e uma estratégia refinadas o suficiente para serem estruturados em um plano de comunicação propositivo e que defina não só quem deve falar, mas exatamente o que falar, porque falar e quando falar.
Hoje o amadorismo impera e o resultado final é sempre ruim para o Governo e para todos nós.
Marco Piquini
80 horas de incomunicabilidade
Publicado em 11/07/2016
A trapalhada desta última semana cometida pelo presidente da CNI, ao sugerir um aumento da jornada de trabalho para “80” horas semanais, demonstra o quanto as empresas e instituições podem sofrer por não levar a sério o trabalho da comunicação estratégica. Por melhor que tenham sido as intenções da entidade em defender mudanças na lei trabalhista com relação à jornada de trabalho, a forma como a proposta foi feita e, principalmente, o momento em que foi exposta, revelaram alto grau de amadorismo em termos de comunicação. O resultado foi o ridículo.
Neste “momentoso” instante em que vivemos, a mensagem que a maior entidade empresarial transmitiu ao país é que os nossos problemas de competitividade se devem a um bando de trabalhadores folgados que trabalham “só” 40 horas semanais. Por bando, leia-se “todos os trabalhadores brasileiros”. Esse é o nosso grande problema hoje, na visão da CNI.
Um bom profissional de comunicação enxergaria o perigo por trás das “boas intenções” da CNI e no mínimo alertaria a entidade acerca da oportunidade de trabalhar um tema como esse, da forma como foi tratado, hoje, pois o profissional de Comunicação é uma espécie de “antena” que capta os sinais do ambiente e os traduz em formulação estratégica. Ele colocaria sobre a mesa questionamentos como história, contexto, posicionamento da entidade, o papel político da mesma e tantas outras coisas que deveriam ter sido avaliadas antes do pronunciamento.
Com relação ao contexto, o país está ruindo em corrupção generalizada e escancarada, e as empresas não escapam da lama. Ao contrário, muitas (e muito grandes) são partícipes, como comprovam os desdobramentos da Lava Jato. Não levar em conta os efeitos maléficos da corrupção na competitividade do país como um todo minimiza, logo de cara, a seriedade da proposta.
E o quanto afeta a competitividade das empresas (e do país como um todo) o peso de um estado com elefantíase crônica, caríssimo, ineficiente e sem pudor em sua voracidade autocentrada? Já trabalhamos cinco meses para pagar impostos e o novo governo sinaliza que certamente mais impostos virão por aí. Não colocar este fator na equação foi um erro de posicionamento que diminui o peso político da instituição no debate econômico hoje em andamento.
Há também questões internas, convenientemente esquecidas nesta discussão. Quanto da nossa ineficiência vem de empresas mal geridas, pura e simplesmente? Quem trabalha em empresas privadas, de qualquer tamanho, sabe que o planejamento não é um diferencial brasileiro e que muitos projetos não entregam o que deveriam em função de falta de clareza estratégica, falta de recursos (tempo, dinheiro, gente) e da má preparação técnica e pessoal de diretores e gerentes. Corrigir estes problemas é certamente muito mais difícil do que propor o aumento da carga horária do “bando de folgados”.
Falando em gestão, quantas empresas desenvolvem políticas sérias e comprometidas com o envolvimento e engajamento de seus colaboradores em suas estratégias de marca e de negócio, fazendo com que todos saibam para onde devem remar, qual a responsabilidade de cada um e do grupo, de forma que todos encontrem sentido (e prazer) no trabalho? Quantas empresas confiam na capacidade de seus empregados trabalharem mais com a cabeça do que com os braços, abrindo espaço para sugestões vindas de baixo?
Diante de tantos problemas internos e externos que afetam a sustentabilidade econômica das empresas brasileiras, jogar a culpa da nossa miséria competitiva sobre as costas dos colaboradores das empresas parece que soou como uma simplificação grosseira e ofensiva.
Um diretor de comunicação estratégica deveria questionar todos estes temas antes de expor o presidente da entidade, e a própria entidade, à uma situação como a que vimos. O que nos traz a um último comentário acerca do bombástico pronunciamento: comunicação requer circunstância. A forma como a CNI conduziu a coisa indica desleixo e despreparo, que culminou com a gafe das “80” horas, que levou todo mundo de volta à tabuada para saber, afinal, quantas horas de trabalho por dia a CNI estava sugerindo, impedindo a racionalização da coisa toda. Tanto que a própria CNI teve de soltar um desmentido minutos depois da incrível fala transmitida para todo o Brasil.
E quando há desmentido, pode ter certeza: a comunicação deu errado.
Marco Piquini
Marcas, Valores, Verdades e Mentiras
Em um momento em que o Brasil desnuda ao mundo sua discutível moralidade, as empresas comprometidas com a justiça e a igualdade poderiam aproveitar para mostrar que aquele quadro de Missão, Visão e (especialmente) Valores que tem pregado em suas paredes são para valer, isto é, aquilo que dizem ali por escrito e à vista de todos é a mais pura verdade. Seria uma ação de comunicação de estratégia de marca sincera e brilhante. Marcariam um posicionamento memorável, importante e duradouro. Dariam, assim, com o impulso de seu poder econômico e força de mídia, um bom exemplo a todos. E cá entre nós: precisamos de bons exemplos mais do que nunca.
Tudo isso para dizer que a cervejaria Heineken correu o risco de dar um tremendo “tiro de trabuco no pé”. Na opinião deste colunista, a empresa cometeu duas gafes fenomenais exatamente num momento em que falsidades e desrespeito humano estão sendo duramente questionados.
A empresa quis repetir no Brasil sua já famosa série de “pegadinhas” misturando casais jovens e futebol, que nos últimos anos, na Europa, promoveram memoráveis ações virais. O charme desses filmes é que são “situações de verdade”, ou seja, “pegadinhas reais”. Só que aqui, no comercial “Heineken/The Cliché” as pessoas do vídeo não são “gente comum”, mas sim atores selecionados para os papéis, que sabiam que seriam filmados em uma ação da Heineken – e que ainda levaram uma “caixinha” (segundo o site B9, especializado em comunicação, marketing e mídia).
O risco era grande, mas o brasileiro parece que gosta de ser enganado: mesmo depois que a imprensa descobriu que não era uma situação “real”, a maioria dos comentários continuou positiva. A repercussão do vídeo foi muito boa na internet, com milhares de comentários e trocas de informação posteriores à veiculação.
Outro risco veio do roteiro. No filme, é sugerido aos rapazes uma “solução” para que eles “se livrem” de suas namoradas para que possam assistir à final da UEFA (Real Madrid x Atlético de Madrid) sem a presença das moças: um voucher “all inclusive” para que as elas desfrutassem de quatro dias em um spa de luxo. Eles “aceitam” a proposta e dão o golpe: oferecem o voucher como um presente pessoal, amoroso, carinhoso, um cuidado especial para as meninas. Traduzindo: mentem. Ou escondem a verdade.
Ao final, quando se reúnem para assistir ao jogo, a eles é revelado que as moças não estão no spa, mas no próprio estádio San Ciro, em Milão, para assistir ao vivo o tão esperado jogo. Ou seja, elas deram a volta por cima. Bem feito! Os mentirosos foram castigados. Só que não: no “gran finale”, os garotões acabam ganhando entradas para a final da Uefa 2017. Ou seja, enganaram as moças e terminaram premiados.
A Heineken tem 153 anos de vida e uma imagem invejável como cerveja “premium”, ligada a um público jovem, descolado, inteligente. No exterior, suas ações de marketing são premiadas e invejadas. No Brasil, esse “descuido” pode até passar despercebido, mas em meio ao ambiente em que vivemos, a marca correu um risco ao parecer sugerir que enganar é legal e que isso pode render boas recompensas. E que, para contar uma boa história não se precisa, necessariamente, falar a verdade.
Coisa muito diferente é correr riscos por uma causa na qual se acredita. No Dia dos Namorados de 2015, a fabricante brasileira de cosméticos “O Boticário” fez uma propaganda onde um casal homo-afetivo troca presentes e abraços. A empresa sabia que a mensagem causaria polêmica, mas não escondeu sua ideia de que o amor pelo mesmo sexo vale e é justo. Estava preparada para receber críticas. Tanto que quando a “revolta” dos caretas começou a empresa tinha discurso e ação prontos. Tão pronto que até os funcionários das lojas franqueadas receberam treinamento para responder às afrontas da opinião contrária.
Marco Piquini
Juntando os dois lados do cérebro
Peter Drucker, o guru, já dizia: 70% dos projetos de mudança falham. E um dos problemas é a falta de comunicação, a falta de conversa, aquela interação interpessoal que permite às partes envolvidas entender as dificuldades de cada lado e processar conceitos e expectativas. Traduzindo: conversa que gera entendimento, alinhamento, propósito comum.
A falta de comunicação é um conflito exacerbado por visões de mundos complementares, mas antagonistas. De um lado, ficam os racionais de exatas, funcionando com o lado esquerdo do cérebro. De outro, a turma emocional de humanas, aquela mais para o lado direito da cabeça.
O avanço da ciência e da tecnologia nos últimos dois séculos, que tanto progresso trouxe ao mundo, criou uma “narrativa de sucesso” que passou a direcionar a administração dos negócios. Reflexo dessa filosofia, cujas palavras-chave são “objetividade” e “organização”, o pessoal de exatas dominou o mundo corporativo. E dá-lhe tabelas, gráficos, números, processos, projetos, planilhas. Munidos com esse poderoso arsenal, eles se colocam em situação vantajosa diante do outro lado, que surfa numa onda “soft” de emoções, sentidos, nuances de linguagem. É um confronto quase desleal.
A surra continua. Calcados nas tangibilidades, a turma de exatas articula argumentos palpáveis e facilmente determináveis como salários, benefícios, normas, procedimentos, meio-ambiente, segurança, regras de higiene e por aí vai. Já a turma de humanas, enfileira expectativas de natureza intangível, muito mais complicados de se definir e controlar, como reconhecimento, apreciação, envolvimento, confiança, oportunidades, desafios, satisfação.
No organograma tradicional, então, é uma covardia. A tropa de exatas se organiza em um batalhão de departamentos: financeiro, compras, qualidade, logística, produção, vendas, pós-venda, jurídico… Para a turma de humanas restam somente dois míseros refúgios: a área de recursos humanos e a comunicação.
Mas há algo de novo no ar. A velocidade da comunicação virtual não só arrebentou os limites físicos e alterou o fator “tempo”, mas também expandiu de forma incalculável a abrangência da interação humana e o alcance de assuntos e interesses intercruzados. Nunca nos “relacionamos” tanto. E é nesse universo em expansão que pode estar surgindo uma novidade: uma cabeça onde o esquerdo e o direito buscam trabalhar juntos.
As novas gerações têm com o computador um relacionamento quase orgânico e para elas a lógica algorítmica virou modelo de pensar o mundo. Ironicamente, é também a turma que começa a questionar o mundo “careta” e certinho que vem sendo pacientemente estruturado desde que a revolução industrial quebrou nossas vidas em horas e minutos e passou a nos avaliar em termos de performance e produção. É uma turma que busca “sentido” no trabalho do dia-a-dia, que quer desafios e novidades. Ao seu modo, quer um mundo mais… humano. Relacionamentos mais calorosos, traduzido em ambientes de trabalho onde, por exemplo, depois do expediente, se possa jogar sinuca, beber cerveja e dançar rock-and-roll.
Não é à toa que estudiosos do mundo do trabalho já colocam em pauta que as capacidades mais necessárias nos próximos anos serão os chamados “soft skills”, uma lista de qualidades que inclui liderança, boa comunicação verbal, atitude positiva, assertividade, poder de persuasão, capacidade de ensinar, trabalhar em equipe, criatividade.
Marco Piquini
As Muitas Cabeças da Comunicação
Preste atenção na área de comunicação e marketing de sua empresa. Há uma revolução acontecendo por lá. A compreensão deste movimento, que é irrefreável, e o entendimento de como usar a dinâmica gerada por ele, fará grande diferença no desempenho de sua organização, hoje (neste minuto) e no futuro.
A velocidade das informações dentro e fora da empresa; a necessidade de encontrar voz própria em meio à cacofonia de hoje; a multiplicidade de canais de comunicação; a intrusão irreverente e temerária das mídias sociais; as diferenças de valores e comportamentos entre os mais jovens e os mais velhos no ambiente de trabalho. Estes são apenas alguns dos temas que hoje chacoalham as empresas e que giram o pião das preocupações da turma da comunicação.
Na comunicação, hoje, não estão apenas os jornalistas, os relações públicas ou os publicitários. Os limites dos diplomas de comunicação foram rompidos para acolher um vasto campo de competências e capacitações. Circulam pela área, direta ou indiretamente, economistas, designers, arquitetos, administradores, estatísticos e mais uma quantidade enorme de profissionais. Esse pessoal está se ajuntando de forma quase involuntária, pois a multifuncionalidade é um requisito dessa revolução, que em alguns casos já começa a desafiar os limites da CLT.
Pesquisa da Abracom (Associação Brasileira das Agências de Comunicação) realizada em 2003 mostrava que 85% dos profissionais que trabalhavam nas agências eram formados em jornalismo. Novo levantamento, feito dez anos depois, revelou que esse percentual caiu para 52%, com grande pulverização dos outros 48% entre mais de duas dezenas de formações distintas. “Fora do país, equipes multidisciplinares já são a regra porque a comunicação se sofisticou e lidera a mudança”, explica Carlos Henrique Carvalho, presidente-executivo da Abracom.
Essa realidade exige uma mudança de relacionamento entre a direção das organizações com estes profissionais. Precisam deixar de ser vistos como operacionais. Eles hoje são estratégicos. As equipes de comunicação e marketing tem hoje maior capacidade analítica. A visão sobre o negócio e o contexto do mercado dessa turma está muito enriquecida e é muito diferenciada, e seria um desperdício de oportunidade não levar em conta o que eles têm a dizer.
Um executivo de 45 anos, com pouco entendimento sobre o mundo digital e aferrado a seus preconceitos, poderá decidir-se por investimentos equivocados em marketing, jogando dinheiro fora e colocando em risco estratégias comerciais complexas se não tiver: 1) consideração e paciência para ouvir o que a turma de comunicação tem a dizer; 2) confiar na turma e apostar na capacidade e no trabalho deles.
Dentro da empresa, a Comunicação assume caráter essencial para gerar engajamento. Para que equipes concluam projetos de forma mais eficiente. É também fundamental para um relacionamento mais produtivo e seguro com os vários públicos de interesse. Pode ser ainda, por sua característica hoje mutante e “antenada”, um fator decisivo para a inovação e a mudança.
Preste atenção, portanto, à Comunicação.
Marco Piquini
A “Liquefação” da sua empresa”
Há uma “guerra interna” rolando nas empresas entre os empregados mais velhos e os mais novos, que tem como terreno de disputa o avanço tecnológico e os novos valores trazidos à vida corporativa pela velocidade de informação. De um lado, a moçada que chega agora ao mercado de trabalho relaciona-se de forma tranquila com o computador. Sabem tudo, transitam pelos programas, usam várias interfaces de forma simultânea e falam uma língua que, para os mais velhos, parece coisa de grego analfabeto. Essa moçada tem posturas morais e de comportamento que podem soar agressivas aos que tem mais tempo de vida e mais tempo de casa. Estes, por sua vez, temem a velocidade do mundo digital e utilizam de forma limitada os recursos de hardware e software. Qualquer aplicativo novo aparece como uma ameaça ao status quo. Acham os mais novos superficiais – mas invejam sua audácia.
Ninguém morre nessa batalha, mas as “feridas” são visíveis: ausência de diálogo, julgamentos baseados em preconceitos, boicotes de lado a lado, falta de interação criativa. Ou seja, um ambiente onde a cooperação e a inovação tendem a ser limitados e a coisa piora diante da pressão por resultados. Frente a exigências que acham incompreensíveis, os mais velhos não sabem o que fazer ou se sentem sem energia para reagir. Já a “moçadinha”, que acha o atual modelo de trabalho banal, desinteressante e sem valor, livra-se da rotina o mais rápido possível e, se não identificarem algo de novo para fazer, perdem o estímulo de vez.
Para o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, isso é fruto de um ambiente acelerado em que tudo muda rapidamente. É um mundo de incertezas. Nada é feito para durar, para ser “sólido”. “Quando falavam de progresso, nossos ancestrais se referiam à perspectiva de cada dia ser melhor do que o anterior. Hoje, progresso pode significar a constante ameaça de ser chutado para fora de um carro em aceleração”, comparou Bauman em entrevista à revista Istoé. Segundo ele, vivemos um estágio “líquido” de modernidade, porque os líquidos são incapazes de manter a mesma forma por muito tempo. “O impulso contínuo de transgredir, de substituir, de acelerar a circulação de mercadorias não dá ao fluxo uma oportunidade de abrandar, nem o tempo necessário para condensar e solidificar-se em formas estáveis, com uma maior expectativa de vida”.
Dentro desse ecossistema de “liquidez”, raras empresas conseguem se comunicar de forma construtiva com os mais velhos e os mais novos. E sem uma forma de diálogo comum entre todos a única maneira de tocar a coisa para frente é por meio da antiga e testada fórmula da recompensa e da punição. Trabalhou bem, muito bem; não entregou o que deveria entregar, tome pressão. Falar em “vestir a camisa” e em cooperação nesse ambiente confuso e tenso é algo que não faz muito sentido.
O que pode unir estas gerações é uma ideia básica comum a respeito do que é a empresa, dos valores que ela representa, do trabalho que realiza, do relacionamento que mantém com os clientes e o mundo. É preciso formatar esse “sonho” em uma narrativa clara. E essa ideia de empresa deve ser real e praticada no dia-a-dia, para que empregados de qualquer geração encontrem nela as coerências entre sua vida e seu trabalho. Ao se identificarem com a empresa, os mais velhos e os mais novos conseguirão construir as pontes do engajamento multigeracional.
Marco Piquini
O caminho da vitória começa dentro de casa
Publicado em 14/02/2016
2016 se apresenta turbulento na economia e na política. Sua empresa enfrenta um mercado em mudança e traça estratégias para enfrentar a situação. Vai dar certo? Bem, não adianta ficar só na torcida, porque como diz o consultor americano Rick Page, “a esperança não é uma estratégia”. É preciso trabalhar em todas as frentes e observar todos os detalhes. O problema é que quando enfrentam uma “guerra” como a que vivemos hoje, os executivos dão mais atenção ao que acontece do lado de fora de seus muros. E isso é um erro.
Por melhor que seja uma estratégia de negócios e um plano de ação, o sucesso depende muito da motivação dos empregados em abraçar os desafios propostos por eles. Esse engajamento vem da identificação do empregado com a organização, de sua compreensão geral do plano e de como ele enxerga seu papel e sua importância dentro desse trabalho. Esse engajamento é essencial para que, no todo, a coerência, o compromisso e a entrega sejam garantidos.
Se você é um executivo e está em meio a um turbilhão de ações para sobreviver às dificuldades de hoje, olhe em torno e verifique se, em sua empresa, a motivação e o engajamento dos empregados estão sendo bem conduzidos. Pergunte-se:
– A comunicação participou da formulação da estratégia de mudança ou só entrou no final para fazer sua divulgação?
– O plano é coerente com os valores verdadeiros da corporação? Isso é evidente na comunicação?
– As lideranças (gerentes, supervisores…) estão sendo potencializadas para disseminar informações e orientação ligadas ao plano?
– Os canais de comunicação estão em pleno uso para potencializar todas as dimensões do engajamento dos trabalhadores?
– Há uma forma de se fazer ouvir a opinião dos empregados a respeito do andamento do plano de ação? Eles têm sugestões a fazer com relação a isso?
Se as respostas para as perguntas acima são negativas, é provável que a estratégia desenhada para vencer as dificuldades de 2016 esteja deixando a desejar. Não porque ela não seja boa, mas porque a empresa não está 100% apoiando e trabalhando por ela.
“Não dá tempo de fazer um programa de comunicação em meio a esta guerra”, alguém pode comentar. A resposta a esta desculpa é simples: imagine uma guerra de verdade, qualquer uma, e pergunte-se se é possível vencê-la com um exército desinformado ou desengajado. Claro que não. Uma guerra, antes de tudo, se desenvolve na defesa de algum tipo de ideal, que deve ser compartilhado e defendido por todos os soldados nela envolvidos. Só assim eles vencerão o medo da morte para se lançarem à luta.
Em qualquer guerra, seja no campo de batalha seja no mercado, o caminho da vitória começa dentro de casa, isto é, dentro da empresa, dentro da cabeça dos empregados.
Marco Piquini