Gestão das Relações Humanas, por Follet e Chaplin

Um alinhamento de Charles Chaplin e Mary Parker

Gestão das Relações Humanas – Parte 1

Diz a lenda que, em 1933, Chaplin foi contratado por um sindicato nos Estados Unidos para fazer uma “crítica ao sistema”. Surgiu então o filme Manipulação de Massas que, por imposição de forças ocultas da época, teve seu nome alterado para Tempos Modernos e foi lançado em 1936. Uma deliciosa crítica ao capitalismo, imperialismo, fordismo e até mesmo ao próprio comunismo em algumas passagens do filme. Em minha opinião, Chaplin foi um dos highlights dos últimos 110 anos de gestão, que nunca recebeu o devido mérito por isso e nem foi oficialmente incluído nos livros de administração. Ele só não ganhou o Oscar porque bateu em todo mundo e não poupou ninguém, arrumando alguns inimigos fordistas e tayloristas.

Dificilmente encontraremos um aficionado por gestão que não tenha visto o filme Tempos Modernos. Milhares de análises e debates foram feitos em cima dessa obra de arte. Quem sou eu para criticar os especialistas em sinopses, mas tenho direito a tirar minhas próprias conclusões.

O legado

É preciso entender o ambiente em que tudo se passou e o legado para a gestão de recursos humanos, que Follet e Chaplin nos deixaram. Há uma linha tênue entre a luz e a escuridão nas análises desse tema. Vejo grande sinergia entre a mensagem de Chaplin sobre a gestão desumana e os conceitos de Mary Parket Follet sobre grupos de indivíduos e a gestão de conflitos. Há quem diga que Chaplin tornou-se, posteriormente, um admirador secreto da obra de Follet. Infelizmente, ela faleceu em 1933, ano em que Chaplin começou a filmar Tempos Modernos. Naquela época, os conceitos de Mary Parker ainda não haviam sidos divulgados.

Follet estava muito à frente em seu tempo nos conceitos de relações humanas e sua obra só foi reconhecida alguns anos após sua morte. Chaplin também estava muito à frente de seu tempo e sua mensagem foi rejeitada por ferir susceptibilidades. Ele foi veladamente influenciado pela pré-escola das relações humanas criada por Follet – uma pena que ela não tenha vivido para assistir à estreia de Tempos Modernos.

A Teoria das Relações Humanas na Gestão é um conjunto de pensamentos que ganhou força com a Grande Depressão e a quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929. As novas teorias buscavam conhecer as atividades e sentimentos dos trabalhadores e estudar a formação de grupos. Até então, o trabalhador era tratado pela “Teoria Clássica” e de uma forma muito mecânica – ponto nevrálgico retratado por Chaplin em Tempos Modernos.

Um grande estrategista

Além do que sabemos sobre Chaplin como cineasta, ator, diretor e empresário, não devemos nos esquecer que ele foi também um talentosíssimo jogador de xadrez e chegou a enfrentar o campeão americano, Samuel Reshevsky. Quem sabe o que o xadrez significa em gestão corporativa, notará que Chaplin foi um grande estrategista, principalmente em suas obras. Elas se confundem com sua própria vida e como tal, permanecerão eternas.

Chaplin sofreu todas as retaliações possíveis, por ser considerado comunista e ativista, mas na minha visão, era, no fundo, um gênio capitalista com um coração repleto de bondade. Foi acusado de atividades antiamericanas e incluído na lista negra de Hollywood. A questão é que, quanto mais o apunhalavam, mais ele provocava o sistema. Coisa de menino birrento.

 

Agora dê uma pausa, tome um café e leia a Parte 2 na sequência.


Um alinhamento de Charles Chaplin e Mary Parker

Gestão das Relações Humanas – Parte 2

Em Tempos Modernos, Chaplin retratou um sistema fordista com produção em massa, relevando a dimensão do consumo de massa. O que Chaplin criticou foi a prática de uma gestão exclusivamente produtiva, que pouco valor dava para a formação e a capacitação dos trabalhadores. As máquinas adquirem vida e o trabalhador é que se torna uma máquina repetitiva, estressado e descontrolado.

Nota: Não deixe de ver aquela fantástica cena da sopeira automática, que certamente faria Mary Parker Follet escrever mais um capítulo em sua obra, adicionando, talvez, uma quarta solução possível para os conflitos.

Originalmente, ela definiu três soluções: a dominação por um dos lados; a cessão mútua de ambos os lados para se atingir um equilíbrio como solução; a integração e o atendimento das demandas.

“Esse é o nosso problema, não como obter o controle das pessoas, mas como todos juntos podemos obter o controle de uma situação. Unidade, não uniformidade, deve ser nosso objetivo. Nós alcançamos a unidade somente através da variedade. As diferenças devem ser integradas, não aniquiladas, nem absorvidas”

Mary Parker Follett

Há oitenta anos, Chaplin focou parte de seu roteiro no stress do trabalhador. Bem, stress é algo tão normal hoje quanto à existência do ar que respiramos, ou seja, não adianta combater o stress no mundo corporativo, mas sim aprender a conviver com ele e administrá-lo de forma a causar menores danos à saúde, do trabalhador e da empresa. Já naquela época ele retratava o “gestor” tomando medicamentos para alguma disfunção orgânica, provavelmente hipertensão ou úlcera.

Muitas análises dessa obra acreditam que o empregador retratado por Chaplin estaria preocupado com a crise, afinal, Tempos Modernos se passou no período da Grande Depressão. Mas cá entre nós, afirmar que: “a tentativa de eliminação de tempo ocioso com uma sopeira automática, que não funcionava, representou o fracasso da colonização da hora do almoço do trabalhador, e que mais tarde o capitalismo conseguiu transformar o fast-food em uma evolução fordista da alimentação operária, obtendo sucesso com a proliferação dos restaurantes do McDonald’s” – por favor, poupe-me dessa viagem, devia ter algo a mais naquele chá.

O que Chaplin retratou foi a carência e a necessidade de uma gestão humana, mas não vejo nenhuma crítica à produção em si. Aliás, muitas das críticas a Chaplin não se sustentam ao longo de sua própria história.

O Grande Ditador
O Grande Ditador

Tido como agnóstico e ateu por muitos, Chaplin invocou a Deus em várias de suas obras. No seu épico discurso em O Grande Ditador, lembrou São Lucas e o Reino de Deus que está dentro de todos os homens. Nesse mesmo discurso, eu me esforço para localizar o grande rebelde comunista que fez o FBI colecionar dossiês contra ele, mas o que repetidamente encontro nas entrelinhas é um grande líder, produtivo, desenvolvimentista, que apenas colocou mais atenção na parte humana e sentimental da gestão. Em adição, quando não encontrou mais clima para viver na América, devido à hostilidade e às pressões que sofria, foi embora, morar na Suíça… ah! Suíça.

“Desde o fim da última guerra mundial, tenho sido alvo de mentiras e propagandas por poderosos grupos reacionários que, por sua influência e com a ajuda da imprensa vendável, criaram um ambiente doentio no qual indivíduos de mente liberal são apontados e perseguidos. Nestas condições, acho que é praticamente impossível continuar meu trabalho no cinema e, portanto, me desfiz de minha residência nos Estados Unidos”

Charles Chaplin, 1953

Analisando o ambiente daquela época e o cenário da Grande Depressão pós-Primeira Guerra Mundial, com excesso de produção americana, inadimplência da Europa e redução do consumo, imagino o que poderia acontecer se a China e os Estados Unidos, juntos, repetissem hoje o mesmo cenário da década de 1920. Seria uma espécie de hiper-depressão mundial e não teríamos um Chaplin para nos fazer rir e pensar.

Ao transpor o discurso de O Grande Ditador para os dias atuais, pouco mudou em valores, esperança e sonhos, mas eu continuo vendo um líder nesse discurso, que quer o bem e o progresso de todos para se manter no poder, democraticamente. Vejo nele um manifesto à gestão e à liderança, desenvolvimentista, com aspectos de bondade e humanidade.

Nas fases mundiais conhecidas da Gestão, eu prefiro colocar Follet e Chaplin, nessa ordem, no período de 1920 a 1940, entre a época da gestão científica de Taylor e Ford (1900-1920) e a fase da gestão da organização de Alfred Sloan, Mayo e Watson (1920-1950). A primeira fase de evolução da gestão ocorreu com a atenção dada ao indivíduo e às relações humanas na organização. Veja o quanto esse tema é atual no mundo corporativo.

Como seria uma nova obra de gestão escrita por Chaplin nos dias de hoje, chamada Tempos Pós-Modernos? Como sua mente preveria o futuro? Lembre-se daquela tela de comando no meio da fábrica em 1936, que ele previu em Tempos Modernos. Como seria o novo discurso de O Grande Ditador, se fosse reescrito por ele nos dias de hoje?

Bem, não precisamos de um novo Chaplin. Basta entender o personagem original e notar que quase todos os atributos humanos da gestão que ele ressaltou, há mais de oitenta anos, ainda persistem como um desejo de bem-estar em muitas situações corporativas e governamentais. Um grande líder, meio comunista, meio capitalista, democrático e muito bondoso.

Como sugestão, assista novamente ao filme Tempos Modernos, releia a história da Grande Depressão da década de 1920, conheça a obra de Mary Parker Follet e faça uma análise do épico discurso de O Grande Ditador. Talvez você passe a enxergar aspectos de gestão que até então não havia notado e projete um futuro mais humano e bondoso, como referência corporativa. Um mundo com respeito às pessoas, paixão pelo trabalho e participação, mas com muita produtividade, tecnologia, coesão do capital, comando, liderança e consumo.

Orlando Merluzzi

Originalmente publicado em 2015 e transcrito para o
livro Potência Corporativa, de 2017, do mesmo autor. 

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