Alguns países em desenvolvimento estão muito distantes da implantação dos novos conceitos tecnológicos e não conseguirão acompanhar as ondas. Digo isso porque, ainda neste ano, vocês vão começar a ouvir falar, na Europa, em Indústria 5.0.
A extensão 4.0 tornou-se sinônimo de algo muito moderno.
“A culpa é dos alemães, que têm a irritante mania de planejar corretamente para médio e longo prazos e ainda por cima, fazer o planejamento acontecer como previsto. Foram eles que inventaram a Indústria 4.0”
Os chineses copiaram a ambição alemã e lançaram um plano de dez anos chamado Made in China 2025, para fazer o país ser líder global em tecnologia da informação, transporte, geração de energia limpa, biomedicina e até máquinas agrícolas.
O modismo do 4.0 tem sido utilizado em larga escala como ferramenta de propaganda e há uma certa confusão de conceitos. O fato da empresa possuir um elevado índice de conectividade, com gestão a distância, sistemas nas nuvens e equipamentos de última geração, não faz a atividade ser 4.0.
Após 230 anos de evolução industrial, desde o princípio na Inglaterra em 1780, a quarta revolução foi desenhada em 2010 na Alemanha, numa parceria entre a indústria, a universidade pesquisadora e o governo. O objetivo era colocar o país, em 2020, como líder em manufatura por meio da alta tecnologia e então a Indústria 4.0 foi anunciada oficialmente em Hannover, em 2011, num modelo de integração de processos, homem, máquina, realidade virtual e intelecto.
Indústria 4.0 x Manufatura 4.0
A Indústria 4.0 é maior do que a Manufatura 4.0. Enquanto a primeira engloba a cadeia logística, desde o supply chain até o cliente final, passando pelo chão de fábrica, distribuição das etapas de produção e a descentralização da gestão, a Manufatura 4.0 consiste na inteligência e controle do processo produtivo. Ambas estão ancoradas nos mesmos pilares fundamentais: computação nas nuvens, internet das coisas, robotização, inteligência artificial, conectividade, mobilidade, big data e segurança de dados (podemos incluir o blockchain). As máquinas podem ser independentes, controlar umas às outras, identificar anomalias no processo produtivo e tomar decisões autônomas. Há fábricas que operam sem a presença do homem e dessa forma, nem precisam de iluminação ambiente, pois fazem tudo no escuro.
“Uma entre as principais características da Indústria 4.0 é a necessidade de a empresa redesenhar o seu próprio modelo de negócios, ofertando um novo serviço de valor agregado como produto”
Uma montadora pode entregar ao cliente o serviço de mobilidade inteligente e transporte por meio de aplicativos e não, necessariamente, fazer a operação com um veículo de sua própria marca. Você poderia imaginar a Ford oferecendo um serviço de transporte com um carro da GM, por meio de um aplicativo gerenciado em Mumbai? Esse não é um exemplo de Indústria 4.0, mas é um bom exemplo de redesenho do modelo de negócios.
A descentralização da gestão na Indústria 4.0 é uma das barreiras para alguns países em desenvolvimento entrarem no jogo, pois o conceito requer liberdade de fronteiras e baixa burocracia.
A Sociedade 5.0
Subindo mais um degrau na escala evolutiva o Japão apresentou em 2016 o conceito da sociedade superinteligente (Super Smart Society 5.0), que utiliza a evolução tecnológica para beneficiar a sociedade e resolver seus problemas por meio da incorporação da quarta revolução industrial a uma avançada e disciplinada cultura. Assim, a sociedade, em um futuro próximo, consolidará valores e desenvolverá serviços que tornem melhor a vida das pessoas, mais sustentável e adaptável. A previsão é para que a Sociedade 5.0 ofereça soluções para o envelhecimento, longevidade humana, cura de doenças extremas, previsões e soluções de catástrofes, mobilidade personalizada, infraestrutura e a consolidação das fintechs – o dinheiro será virtual e até o conceito de “riqueza” vai mudar. Devolver os movimentos para quem os perdeu e reduzir a dependência física na mobilidade, ter drones e robôs como membros da família e criar uma nova definição para o termo “velhice”. Quem sabe teremos o casamento formal entre seres humanos e robôs.
Por quê 5.0?
A extensão 5.0 considera que a sociedade já superou três fases evolutivas e vivemos hoje a sociedade 4.0 (a era da informação). As três primeiras foram: a sociedade caçadora-coletora e nômade (sociedade 1.0); a sociedade agrária e organizada em estados (sociedade 2.0); a sociedade da produção em massa e do consumo (sociedade 3.0). A Indústria 4.0 coloca o domínio da máquina no centro de tudo e a Sociedade 5.0 vai recolocar o Homem no centro dos processos.
“A Indústria 5.0 estará para a Sociedade 5.0, assim como a Manufatura 4.0 está para a Indústria 4.0, hoje”
O que acontece com alguns países em desenvolvimento e quais os riscos?
Começando pelos riscos, as deficiências educacionais e culturais tornam-se barreiras difíceis de transpor em uma ou duas gerações e nem todo país conseguiria fazer, com o mesmo nível de sucesso, o que fez a Coreia do Sul com a educação.
A Indústria 4.0 nasceu a partir de um plano para manter a Alemanha competitiva e líder ao longo do tempo e para isso empresários, governo, sistema financeiro e a academia alinharam-se em torno de um objetivo comum. Uma das causas do seu sucesso, na Alemanha, é que o conceito se aplica também às pequenas e médias empresas, com financiamento, capacitação, foco e seriedade de gestão. Rapidamente os países de primeiro mundo abraçaram o conceito e estão agora em um caminho sem volta.
Toda essa tecnologia e desenvolvimento possui o respaldo de leis, fundos de financiamento e políticas governamentais suprapartidárias.
E a América Latina nisso?
Em países na América Latina, somente grandes multinacionais estão efetivamente entrando no ambiente 4.0, pois trazem parte da evolução e recursos de suas matrizes. As pequenas e médias empresas estão ainda mais distantes. Não há previsão de rompimento de barreiras burocráticas, nem tributárias e o atraso educacional, em alguns países, torna-se um entrave. E por falar em deficiência educacional, o Brasil…
“A distância para uma Sociedade 5.0 está no fato dela englobar, além da integração tecnológica, os aspectos culturais”
O modelo japonês é espetacular e tomo como exemplo o que ocorre quando seus torcedores de futebol visitam outros países e ao final de cada partida, limpam e recolhem todo lixo produzido por eles nas arquibancadas. Cá entre nós, tal atitude não é muito comum ao redor do mundo.
O maior perigo: o risco da segregação global
A Indústria 4.0 e a Sociedade 5.0 trazem ao mundo o perigo de uma segregação ainda maior entre os países desenvolvidos, em desenvolvimento e os países a desenvolver. Seria algo como o efeito colateral do super desenvolvimento, quando poucos conseguem acompanhar a velocidade dos líderes.
Cabe a nós, pensadores corporativos ou acadêmicos, alertar para essa potencial separação cultural-tecnológica e para isso nem é preciso robôs ou inteligência artificial. Basta começar a análise pelo índice educacional, seguido de ideologias que, virtualmente, afastam investidores e condenam alguns países a um distanciamento, o qual convencionou-se rotular de primeiro e terceiro mundos.
Orlando Merluzzi (*)
(*) – o autor é consultor de empresas, conselheiro e palestrante.
Artigo publicado inicialmente na Revista Robótica, em Portugal.
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