Há quem diga que a equipe de vendas é o grupo mais importante da empresa, o menos reconhecido e o primeiro a ser lembrado quando alguém precisa encontrar um culpado para a queda das receitas. Da mesma forma, a equipe de vendas é a primeira a culpar o canal de distribuição ou a rede de revendedores, pelos mesmos motivos. Como no mundo corporativo o processo de culpar o outro é um círculo vicioso, o canal de distribuição geralmente culpa o fornecedor pela política comercial equivocada e a baixa competitividade dos produtos da empresa. Na realidade, todos têm um pouco de razão, mas o que falta nesse ambiente é dosar corretamente a adrenalina para que ela não se transforme em algo tóxico e ultrapasse as fronteiras da tolerância para o ódio e rancor, implodindo o espírito de corpo que uma equipe de vendas, bem-sucedida, precisa ter.
Durante minha carreira atuei desde o chão de fábrica até a condução dos negócios, passando por quase todas as áreas, mas foi na área de “vendas” que aprendi tanto quanto nas universidades, ou mais.
O valor de uma gota de sangue
No interior do Brasil, antigamente um aperto de mão valia como um contrato registrado em cartório e, em algumas localidades, ainda hoje possui o mesmo valor. Poucos gestores de vendas tiveram a experiência única de visitar um cliente e este, ao decidir pela compra, furar o próprio dedo e colocar uma gota de sangue sobre a mesa, para que eu fizesse o mesmo, antes de selar o negócio. Na realidade, ele queria meu compromisso quanto ao prazo de entrega do produto negociado.
Essa experiência é daquelas que as escolas não ensinam e somente quem a vive pode medir o significado de um olhar, um tom de voz, um sinal de respeito, integridade e confiança. É muito difícil tentar transmitir a atmosfera daquela situação ao retornar para a base, no escritório, e negociar aquele prazo de entrega, selado com sangue, com o pessoal da produção e do faturamento. É claro que, se eu não tivesse a certeza da entrega, eu não teria me comprometido. O restante dessa história é surpreendente e eu contarei em uma outra ocasião.
Definindo “vendedores” como heróis
Há mais histórias deselegantes e piadas com vendedores do que garrafas de vinho na Itália e na França juntas. Vendedor é uma classe muito especial, cheia de estereótipos, incertezas e que precisa de automotivação durante 24 horas por dia para vencer preconceitos, programar suas ações táticas e, principalmente, cumprir com suas metas de vendas, conquista de clientes e formação de uma carteira crível.
O vendedor entrega, tira pedidos, desbrava, convence, cria, inventa, reinventa (inventar no sentido de inovar e não no sentido da mentir), faz política e diplomacia, corre, transpira, sonda, prospecta, comunica, emite relatórios, participa de treinamentos, treina o cliente, coleta informações, resolve problemas, aguenta desaforo, decide, programa, reprograma, sofre bullying, dá consultoria, é o culpado quando as vendas vão mal, dificilmente é reconhecido quando as vendas vão bem, sempre está em posição inferior em relação ao comprador, às vezes é visto pelo pessoal de Finanças como perdulário e bon-vivant, possui um dia com apenas 24 horas e, ainda por cima, tem que estar sorrindo, ser simpático e fazer amigos. Ufa!
A adrenalina da área comercial é sangue nas artérias e munição para matar um leão a cada dia, mas, no dia seguinte, um novo leão está vivo e encarando o vendedor de frente. Corra, ou morra!
Equilibrando os pratos
Administrar uma equipe vencedora na área de vendas é como equilibrar os pratos num palco circense, onde cada prato contém os elementos tradicionais da estrutura comercial: recursos, treinamento, metas, política, habilidades, mas todos se equilibram sobre uma mesma vareta composta de motivação, orgulho, vaidade, atitude e ambição. A força que as movimenta possui doses elevadas de adrenalina e o que segura os pratos girando em equilíbrio chama-se respeito. Este, se ausente, causará o rompimento das forças do sucesso em equipe. Lembre-se: em qualquer setor de uma organização, o sucesso individual possui baixa autonomia.
A última coisa que o gestor de vendas quer é deixar de cumprir metas comerciais. Contudo, impor doses cavalares de adrenalina pode resultar em exceder as metas nos três ou seis meses seguintes, com enorme risco de implosão das artérias no sétimo mês. Isso ocorre quando membros das equipes questionam, veladamente, para que vale tudo aquilo e a partir dali, começam a buscar novos ares.
Motivação e respeito
Motivação é a arte de incentivar as pessoas a fazerem o que você quer que elas façam, mas também porque elas abraçaram a causa naturalmente e querem fazer. Como dizia o guru de vendas Zig Ziglar: “Motivação não dura para sempre, nem o efeito do banho, por isso, recomenda-se diariamente”.
A motivação saudável e sustentável é aquela que vem de realização, desenvolvimento pessoal, satisfação no trabalho e reconhecimento em um ambiente de respeito e transparência. Comprometimento gera sustentabilidade. Stress precisa ser gerido com cautela e quem descarrega adrenalina em sua equipe, como única arma eficiente, não está sendo correto com seus colaboradores e, talvez, desonesto consigo mesmo.
Transformar adrenalina em resultados corporativos consistentes requer maturidade do gestor para aplicar a dose, em uma equipe com os elementos das relações humanas e da inteligência emocional, todos, em relativo equilíbrio. Alcançar esse equilíbrio é mais simples do que possa parecer, mas é necessário método, confiança, habilidade, lisura e respeito. Contudo, como não posso deixar faltar um pouquinho de adrenalina no andamento dos negócios, lembro que metas e objetivos, quando estabelecidos corretamente, devem ser cumpridos. Você não precisa buscar os 120%, basta cumprir os 100% com regularidade, neste mês, no mês seguinte, no outro…
Adrenalina e confiança
Eu conheci um CEO que dizia que aqueles que não gostavam de adrenalina não serviam para trabalhar em sua equipe. A bem da verdade, nunca ouvi ninguém daquela equipe dizer que gostava de algo tóxico mais do que um bônus no final do trimestre. Durante meses, foram despejadas doses excessivas de adrenalina no sistema e todas as equipes entraram em uma verdadeira paranoia para “exceder metas como regra”, trazendo o risco dos fins justificarem os meios. A empresa cresceu, as vendas cresceram, todos celebraram e dois anos depois, poucos da equipe ainda restavam na empresa. Os resultados não se sustentaram, voltando rapidamente aos níveis anteriores, de onde não mais saíram.
Num ambiente onde não há confiança, o chefe se torna uma ilha e dificilmente receberá informações e elementos adequados para planejar e estabelecer metas críveis e possíveis.
Essas, entre outras histórias eu conto, não apenas como “casos”, mas como exemplos que demonstram os erros e acertos de processos bem-sucedidos de gestão de vendas, onde o resultado ao final do exercício vale muito mais do que um espetáculo pirotécnico, principalmente se puder ser repetido com a mesma equipe e o mesmo nível de respeito, companheirismo e ambição.
Orlando Merluzzi – Da série Lendas, mitos e verdades do mundo corporativo