São frases de impacto, mas fakes e aposto que você já repetiu muitas delas. Qual o efeito dessa cultura na sociedade e o impacto no mundo corporativo?
“Quem conta um conto aumenta um ponto”. Essa frase não é de Clarisse Lispector, nem de Monteiro Lobato, mas é quase perfeita. O famoso telefone sem fio, a conversa de corredor. Imagine que muitas frases de efeito, que você certamente já repetiu ou então ouviu, nunca foram ditas por seus supostos autores e algumas, sequer foram pronunciadas. São fantasias e acabamos acreditando e propagando. Tanto faz se a conversa ocorreu na lanchonete “Boca Maldita” ou na “maldita boca da internet”, que propaga “fakes” com a mesma velocidade que muda a página para uma nova história.
A internet não é a única culpada. Muitas citações erradas ou maldosas já causaram grandes estragos no passado, imbróglios diplomáticos e até decapitação, quando não havia Facebook, Twitter e nem telefone.
Atire a primeira pedra quem nunca pensou que fossem verdadeiras as mistificações abaixo:
“Os fins justificam os meios”
Essa famosa frase nunca foi dita por Nicoló Machiavelli em sua obra O Príncipe, oferecida a Lorenzo de Medici, com segundas intenções. Alguém resumiu os pensamentos do autor e distorceu aquilo que não pode ser resumido em uma única frase. Talvez, o trecho que mais se aproxime disso no livro está no final do Capítulo 18: “Procure, pois, um príncipe, vencer e manter o Estado: os meios serão sempre julgados honrosos e por todos louvados, porque o vulgo sempre se deixa levar pelas aparências e pelos resultados, e no mundo não existe senão o vulgo…”
“Tudo que pode dar errado, vai dar errado” ou, “Se algo pode dar errado, dará”
Major Edward Alvar Murphy Jr. (falecido em 1990) era engenheiro aeroespacial e uma citação sua, mal interpretada ou difundida erroneamente, deu origem à famosa Lei de Murphy. Ele nunca disse aquilo. Na realidade, cruzando a informação de George Nichols (engenheiro presente no teste em 1949) com a entrevista do filho de Murphy, Robert, a frase correta foi: “Se houver mais de uma maneira de fazer um trabalho e uma dessas maneiras puder resultar em um desastre, então ele fará dessa maneira”, referindo-se de forma pouco tolerante ao assistente técnico que provocou a falha em um importante teste aeronáutico.
“Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”
Não, a frase nunca foi dita por Albert Einstein e nem por Benjamin Franklin. A autoria dessa frase, até aqui é desconhecida.
“Todo mundo é um gênio, mas se você julgar um peixe por sua capacidade de subir em uma árvore, vai gastar toda a sua vida acreditando que ele é estúpido”
Essa frase também não foi dita por Albert Einstein. Não há tal registro oficial.
“Mulheres bem-comportadas, raramente fazem história”
Mais uma frase de efeito, dessa vez atribuída à Marilyn Monroe, mas, também não é dela, embora combinasse perfeitamente com a loira. A frase, na verdade é da historiadora Laurel Thatcher Ulrich.
“Não concordo com uma palavra do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-las”
Não se desaponte, mas Voltaire nunca disse essa frase. Originalmente aparece no livro The Friends of Voltaire, de 1906, onde a biógrafa Evelyn Beatrice Hall tenta resumir o pensamento do filósofo iluminista.
“Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças.”
Não há registro crível dessa famosa frase atribuída a Charles Darwin, mas há muitos autores de auto-ajuda que utilizam nomes de famosos para dar credibilidade aos seus discursos.
“Se não têm pão, que comam brioche”.
Não fique triste se você já pronunciou essa frase como sendo de Maria Antonieta e agora sabe que ela nunca disse isso. Essa famosíssima frase também foi creditada para a pessoa errada. Em sua autobiografia, Jean-Jacques Rousseau afirmou que uma princesa ficou conhecida por dizer a frase “Se o povo não tem pão, que coma brioche”. Porém, quando Rousseau escreveu suas “Confissões”, Maria Antonieta tinha entre 12 e 14 anos. É mais provável que ele estivesse se referindo a Maria Teresa de Espanha, que teria dito a famosa frase, cem anos antes.
“Políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos, pelo mesmo motivo”
O autor dessa pérola é desconhecido. Certamente, não foi Eça de Queiroz e nem Benjamin Franklin, que disseram tal frase. Eu apostaria em Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, pois a frase tem o “jeitão” dele.
“A genialidade é 1% inspiração e 99% transpiração”
Se você pensa que essa é mais uma frase de efeito do gênio Albert Einstein, desculpe-me, mas não é. A frase foi dita por Thomas Edison.
“O Brasil não é um país sério”.
Charles de Gaulle nunca disse isso, oficialmente. No início da década de 1960, Brasil e França entraram em conflito diplomático por causa de divergências quanto à pesca de crustáceos (também conhecido como Guerra da Lagosta). Foi nesse contexto que o francês Charles de Gaulle teria dito: “O Brasil não é um país sério”. Contudo, quem difamou o próprio país foi o embaixador brasileiro Carlos Alves de Souza, ao sair de uma reunião com de Gaulle e pronunciar a frase aos jornalistas. O próprio de Gaulle desmentiu isso posteriormente, sem muito sucesso, pois até hoje há jornalistas brasileiros que citam a frase, com crédito ao ex-presidente francês, como se estivessem presentes naquela reunião em 1962, no Palácio do Eliseu.
E o mundo corporativo com isso?
História ou folclore, há uma grande quantidade de frases e citações desmistificadas em websites críveis para verificação de autenticidade, mas a reflexão para esses casos de propagação indevida deve ser estendida às nossas vidas em sociedade e no mundo corporativo, afinal, os elementos das inter-relações pessoais que deterioram o clima organizacional – e sobre os quais comento bastante em meu livro Potência Corporativa, 2017 – independem da mídia social para serem equivocadamente ou maldosamente propagados.
A extraordinária reputação de um profissional pode ser construída sob os alicerces da competência e uma excelente assessoria de imprensa, mas, também pode ser prejudicada por quem conta um conto e aumenta um ponto e como diz o provérbio, “há quatro coisas que, após lançadas, não voltam atrás: a flecha, a palavra pronunciada, a oportunidade perdida e as penas ao vento”. Em tempo, esse não é um provérbio chinês, nem árabe.
A internet ou aquele “cantinho da fofoca” no ambiente corporativo não são culpados por aspectos comportamentais. No máximo, a internet é “o meio” e o cantinho do café, apenas uma desculpa.
Orlando Merluzzi